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Lamego nos Descobrimentos e Expansão Portuguesa: 600 anos de história

Lamego
Lamego

É na conquista de Ceuta (1415) que se baliza o início da Aventura portuguesa nos mares e terras extra-europeias. Comemora-se, por tal facto, 600 anos de um feito histórico inigualável na história da nossa velha nação.

E Lamego? Que participação teve nesta aventura? Que influência teve na cidade a gesta dos Descobrimentos Portugueses?

Com a subida ao trono de D. João II (1481) iniciou-se uma verdadeira política de expansão portuguesa, dando-se prioridade à descoberta de um caminho marítimo para a Índia. De entre várias expedições promovidas pelo monarca, é especialmente notória aquela em que D. João II envia, em 1487, dois viajantes-espiões, Afonso Paiva e Pêro Covilhã, pretendendo obter informação sobre o comércio da Índia e esclarecer se era ou não possível navegar do Índico para o Atlântico.

É nesta importante expedição de espionagem que entra um espião lamecense, o mestre José, sapateiro de Lamego. Na cidade do Cairo, em 1491, esperavam Pêro da Covilhã dois judeus, mestre José (Josef), sapateiro de Lamego, e o rabino Abraão. O rei D. João II ordenara que o lamecense acompanhasse o rabino a Adém e recebesse de Pêro Covilhã um relato circunstanciado das suas viagens. Encontrou-se Pêro da Covilhã com os dois judeus portugueses, enviados pelo rei de Portugal, os quais, com muita habilidade e manha, o souberam descobrir na cosmopolita confusão das ruas e bazares do Cairo. Um destes judeus, chamado Josef, natural de Lamego, sapateiro de profissão, estivera antes na Babilónia, isto é, em Bagdad, onde fora informado do comércio, que por ali se fazia com a Índia e Oriente em geral. De volta a Lisboa, o sapateiro procurou D. João II, sempre acessível a estes mensageiros de longínquas terras, e deu-lhe aquelas informações, com que o rei muito folgou (2).

Quem foi este  mestre José, sapateiro de Lamego? Sabemos, unicamente, que era um judeu nascido em Lamego, com a profissão de sapateiro, e que, porventura, seria um homem de cultura, pelo menos no domínio dos costumes e da língua árabe. Importa salientar que no início da Inquisição, em 1478, o temor espalhou-se entre os judeus da Espanha, fazendo com que muitos judeus procurassem refúgio em Portugal. À época do século XV, a comunidade judaica de Lamego era considerada uma das mais populosas da Beira Interior. Os judeus de Lamego viveram entre o Castelo e a atual Igreja de Almacave, em duas judiarias com cerca de 400 pessoas (3). Talvez o espião de D. João II, Rei de Portugal,  mestre José, sapateiro de Lamego, tenha a sua origem nesta comunidade judaica lamecense.

Mas a participação de Lamego nos Descobrimentos Portugueses não se restringe, certamente, à referida viagem de espionagem.

Com a expansão portuguesa (século XV e XVI), o comércio marítimo assume um papel preponderante. É neste período que o vinho, o sumagre (5) (Rui Fernandes indica-nos uma produção à roda das 165 toneladas (?) no aro de Lamego) e a fruta do Douro, produtos durienses, eram exportados para a cidade do Porto e daí para outros portos das rotas comerciais internacionais. Começava a ser relevante a produção vinícola e intensa a navegação do Douro. Assim, a produção de vinhos lamecenses ligava-se também à expansão portuguesas e aos descobrimentos. O vinho encontra-se a bordo das naus e caravelas portuguesas. Uma boa percentagem destinava-se a abastecer “as armadas d’El Rey”. Contudo, os vinhos consumidos pelos marinheiros portugueses eram, sobretudo, os “amarais”, vinhos de categoria inferior, usados como “beberragem” (vinhos de más uvas).

Começa, também, a ganhar alguma importância  a fruta do Douro, produzida nos seus socalcos: cerejas, figos, maçãs, pêras, marmelos, romãs, ameixas, sôrvas, nêsperas, pêssegos e melões (??). Realce para as “frutas de espinho”: limões e laranjas.A castanha é  um dos produtos chave da economia de então (tradicional “falacho” para substituir a falta de pão, quer no abastecimento dos navios dos descobrimentos (castanha fresca, pilada e picada). Saliente-se que a castanha é, neste período, essencialmente um alimento de homens. Mas em Lamego, a sua abundância faz dela ração para os inúmeros porcos que se alimentavam pelos soutos, dando origem ao renomado presunto de Lamego (aqui está uma possível explicação para a origem do famoso Presunto de Lamego).

Por fim, importa salientar a feitoria das lonas e bordates de Lamego (1530) (sarjas de Lamego), que representavam uma mais valia para Lamego, pois o panos produzidos nessas feitorias eram essenciais à confecção e equipamento das armadas do reino que participaram nas grandes conquistas além-mar.

(1) ALBUQUERQUE, Luís – Navegadores, viajantes e aventureiros portugueses: séculos XV e XVI, 1987
(2) CONDE FICALHO – As viagens de Pêro Covilhã, 1898
(3) TAVARES, Maria – As judiarias de Portugal. CTT, 2010
(5) O Sumagre é uma planta que teve grande importância económica na região duriense. A sua exploração foi preterida pela cultura mais rentável da vinha. As folhas do sumagre, depois de secas e trituradas em pó, eram muito procuradas e utilizadas em curtumes, tinturaria e na medicina tradicional. O seu fruto,  designado por drupa, era utilizado como especiaria no Oriente e em África.
(6) FERNANDES, Rui – Descrição do terreno ao redor de Lamego duas léguas : 1531-1532. [Lamego] : Beira Douro – Associação de Desenvolvimento do Vale do Douro, cop. 2001

GONÇALVES DA COSTA, M. – História do Bispado e da cidade de Lamego. Vol. III



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