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‘Casa-museu Fausto Guedes Teixeira’ – um espaço de memória

Lamego – Museu Sala Fausto Guedes Teixeira. Foto Moderna. Anos 50, séc. XX.

Estamos a falar da criação de uma casa-museu dedicada à maior personagem literária de Lamego, o poeta Fausto Guedes Teixeira (FGT), um novo lugar turístico-literário onde a memória e o conhecimento sobre o património literário lamecense é preservado, divulgado e promovido, uma casa-museu entendida como um recurso turístico e um equipamento museológico, verdadeira atração cultural e patrimonial capaz de inspirar a visita a uma das mais belas e antigas cidades de Portugal. Quando tudo parece inventado e entramos num ciclo de repetição e vivência cultural desmobilizadora, eis que surgem novos caminhos culturais a descobrir, e esta nova ‘Casa-Museu Fausto Guedes Teixeira’ é um deles, um novo espaço e recurso-turístico-literário associado à matriz cultural lamecense.

De caráter museológico – Casa-Museu Fausto Guedes Teixeira – este futuro equipamento público reflete o mundo poético e quotidiano de FGT, o seu espaço doméstico, os seus objetos e o seu gosto, preservando a memória e divulgando a vida e obra do poeta. Possui uma exposição permanente cronológica, auditório e um serviço educativo que promove atividades para todas as idades, especialmente para crianças; recebe concertos, peças de teatro, outras exposições, lançamentos de livros e festivais; alberga as primeiras edições, manuscritos, objetos pessoais, pinturas, cerâmicas e arte sacra do nosso poeta; e promove uma programação cultural regular e diversificada que inclui conferências, lançamentos, oficinas educativas, colóquios e um festival literário; encontros de leitores, sessões de poesia, debates e exposições. Mas o mais relevante é o novo Centro de Estudos Lamecenses, criado para se afirmar como um importante polo de investigação e divulgação da sua obra, mas sobretudo do património histórico-cultural de Lamego.

Das atuais 23 casas-museu de autores existentes em Portugal, a ‘Casa-Museu Fausto Guedes Teixeira’ será a 24, uma inovação cultural corajosa, um tributo à memória coletiva de uma terra que ainda tem muito a descobrir e a projetar para o seu futuro.

FAUSTO GUEDES TEIXEIRA
Nascido em Lamego, a 11 de outubro de 1871, Fausto Guedes Teixeira (FGT) desde cedo manifesta um temperamento emotivo e extasiado que o acompanharia pela vida fora. Aos dez anos de idade parte para Lisboa (Colégio de Campolide) e transporta consigo a saudade da contemplação silenciosa do sorriso de sua mãe.

Regressa a Lamego três anos depois (1884), exausto de saudade e ingressa no Colégio de Lamego, onde recupera a alegria de viver. Na romântica pacatez da cidade lamecense, a adolescência desperta novas sensibilidades e novos interesses. Aos dezassete anos colabora com jornais locais, onde publica os primeiros textos líricos, nomeadamente no quinzenário Miniaturas.

Por volta de 1890, o seu temperamento passional e ardor patriótico exalta-se, aderindo entusiasticamente, aos 19 anos de idade, à causa republicana, indignado com o Ultimatum de Inglaterra a Portugal. Participa em comícios na conservadora cidade lamecense e funda, com outros ilustres, com destaque para o poeta Carlos de Lemos, o efémero, mas viperino jornal A Revolução. Nesse mesmo ano, perde a figura paterna e protetora de seu pai, Visconde de Guedes Teixeira, paladino e obreiro de grandes realizações citadinas da velha urbe lamecense, a sua primeira grande dor.

Ao seu sonho de marinheiro impôs-se a vontade de seu pai e, terminado o seu curso liceal, segue para Coimbra, matriculando-se na Faculdade de Direito. Aí vive intensamente e ‘absintamente’ os tempos boémios da douta cidade estudantil, onde liberta o seu talento poético e publica de capa e batina os seus primeiros livros, Os náufragos (1892) e Livro d’Amor (1894).

Ainda em terras conimbricenses, redige no seu quarto, o 17 da Rua das Flores, com Alexandre Braga e Carlos Lemos, a efémera e polémica revista Insultos (1894), um panfletário de exaltado republicanismo e linguagem adjetivada ao conservadorismo da Academia de Coimbra.

Em 1895, FGT interrompe os seus estudos e parte para o Brasil com cartas de recomendação de Eça de Queiroz para os principais periódicos brasileiros. Nesse mesmo ano regressa a Coimbra, agora ao 94 da Couraça dos Apóstolos, determinado a concluir o ‘malfadado curso de Direito’. Cerca-se dum grupo de admiradores e amigos, entre os quais avulta o autor do famoso poema A balada da Neve, Augusto Gil.

Em setembro de 1896, publica Mocidade Perdida e termina o curso de Direto em 1898. Recém formado, parte de Coimbra pela derradeira vez e segue para Lisboa em busca de um lugar burocrático no Estado. De figura anémica e delicada, FGT é nomeado ajudante de conservador em Loulé, mas não deixa de publicar, surgindo em 1899, Esperança Nossa e Carta a um Poeta, onde começa a ganhar fama o seu famoso soneto lírico.

Contrai matrimónio em 16 de outubro de 1899, com Margarida Braga, irmã mais nova do seu grande amigo e também escritor Alexandre Braga. Quatro dias depois, e após deixar o o Algarve, parte para Moçambique como secretário de Governo do Distrito de Lourenço Marques, embarcando com lágrimas da velha ‘praia lusitana’, mas cumprindo o seu adolescente sonho de marinheiro. A sua frágil saúde impõe um curta estadia, regressando a Portugal no ano seguinte, em maio de 1900.

Regressado, FGT vive em Lisboa até 1920, data que marca a sua vida de asceta em Lamego. Os primeiros anos vividos pelo Poeta do Amor na capital são marcados por dificuldades financeiras. Ocupa um lugar no Mercado Geral de Produtos Agrícolas, criticando-se como um ‘fiscal de nabos e pepinos na Praça da Figueira’. Porém, em 1905, já Secretário do Museu de Belas Artes, cargo que exerce até 1913, encontra um lugar de maior relevo social e mais consentâneo com o seu temperamento poético. A partir desta data, assume o cargo de adido ao Museu e de administrador, por parte do Governo, da Companhia dos Caminhos de Ferro de Benguela, adquirindo uma vida mais desafogada.

Durante este período, publica Saudades do Coração, Alma Triste e O Meu Livro (1908), reunindo este último, e pela primeira vez, todos os livros até aí publicados, com a exceção de Os Náufragos. Dos seus tempos de Lisboa, o Poetinha, como carinhosamente era tratado, frequenta assiduamente a Cervejaria da Trindade, relacionando-se com figuras de maior relevo na vida literária, artística e política, como o já referido Augusto Gil, Alexandre Braga, o polémico Júlio Dantas, o ilustre intelectual lamecense Cassiano Neves, o escultor Costa Motta (sobrinho) e o famoso pintor e mestre do retrato Columbano Bordalo Pinheiro, entre muitos outros.

O poeta do Amar ou odiar / Ou tudo ou nada/…, regressa a Lamego em 1920, onde reencontra as suas raízes, tudo o que ama, tudo o que deseja, a sua terra de amor, a sua pátria toda. À sombra das árvores do seu Parque, personifica os excessos do lirismo romântico, ostentando a sensibilidade e os sentimentos mais íntimos de um solitário, escondido, discreto, que não deixa de ser um grande poeta português.

“Entretanto, Fausto Guedes Teixeira é em literatura, uma glória nacional, que tem o maior direito à veneração de todo o país; facilidade natural, emoção rara, humanismo, sinceridade a que repugna qualquer artifício ou maneira literária, ao mesmo tempo que uma grande personalidade, estética, sentimento da natureza e, tudo, ligado ao sentido ético das grandes obras de poesia, eis as qualidades culminantes, os meios e os fins do seu culto incansável às suas Musas do verso” (António Cid, 1938).

Morre em Lamego, em 1940, aos 69 anos, com o estatuto de Poeta Maior das terras lamecenses.

Última Esperança

Como um dia é imenso! E como a gente,
Por mais que faça, em nada o abrevia!…
Só a ventura passa de repente…
E só demora pouco uma alegria.

Desde a manhã à hora do poente
São séculos de atroz melancolia;
Mas cai a noite e logo se pressente
Que ela vai ser tão grande como o dia.

Não pode a minha vida ser pior!
No entanto, apesar de enfraquecida,
uma esperança oculta a minha dor.

Que o tempo corra a ver se muda a sorte!
e eu não me lembro, desejando a vida,
Que me aproximo mais e mais da morte.



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